Entrevista: Célia Correia Loureiro
"Célia Correia Loureiro nasceu em Almada em 1989 [...] desde cedo começou a contar histórias através de ilustrações. Aos doze anos leu o seu primeiro romance e, desde aí, não parou de ler nem de escrever. Com algumas obras terminadas, apresenta-se aos leitores através da Alfarroba com este “Demência”, terminado em 2011." AQUI
-Como surgiu o gosto pela escrita?
não surgiu, esteve lá sempre.
-Qual foi a sensação quando foi feita a publicação da obra "Demência"?
realização, gratificação, um sonho tornado real - agora poderia final partilhar tanto com todos!
-Existe alguma mensagem central que queira transmitir?
as pessoas tem
camadas mais profundas do que podem sugerir, ninguém é perfeito, o
passado tem um peso condicionante, a natureza humana é facilmente
corrompida.
-Qual o público alvo que pretendia alcançar ? Corresponde com a realidade?
nunca dediquei
um segundo pensamento a público alvo - mas tenho sido lida, com igual
entusiasmo, por novos e velhos, homens e mulheres.
-Como imagina a sua vida profissional daqui a dez anos ? Continuaria a escrever?
não escrever não é uma opção; se não escrever é porque devo ter morrido.
[À Lareira com] - Célia Correira Loureiro
À Lareira com... Célia Correia Loureiro, autora de "Demência" e, brevemente, "O funeral da nossa mãe".
Fale-nos um pouco
sobre si
O que dizer de mim? Acho que sou
uma rapariga comum de 22 anos, com um feitio um bocado difícil e que dedica
demasiado tempo a livros e escrita. Segundo a minha avó isso tudo faz mal à
cabeça e justifica o facto de eu ser distraída, de perder tudo e de nunca saber
a quantas ando. Gosto de artes; de estudá-las, de falar delas, de pintar, de
escrever, de desenhar, de ler. A arte é o lado belo da vida que serve para uma
troca de compreensões e vivências. Considero-me uma mulher das letras e das
artes. Gosto muito de viajar e felizmente já me sinto capaz de fazê-lo na
medida em que sempre o desejei. Entusiasmo-me com outras culturas e lugares,
sou um animal do mundo que nunca está bem aonde quer que seja. Tenho sede de
saber e de experimentar. Raramente me dou conta de que é hora de fechar o bico,
por isso falo demais e acerca de tudo. Gosto de ouvir historietas dos mais
velhos e sou um bocado blasé.
Preferia ter vivido noutra qualquer época que não esta e deixar que todas essas
novas tecnologias e tendências me passassem ao lado... agonia-me um bocado a
avidez geral por apetrechos cuja função desconheço. Talvez só em relação a isso
seja um pouco apática - tecnologia. Mas também não me levem demasiado à letra;
não escrevo com papel e caneta e sou muito amiga do facebook.
“garante que a sua
vocação é a escrita”. Quando sentiu a primeira vez o gosto pela escrita?
A minha mentalidade é um bocadinho conservadora e desde pequena
que achava que uma pessoa deveria dedicar-se àquilo que fosse o seu talento, o
seu dom inato. Nem me ocorria que há pessoas que simplesmente se adaptam a tudo
e não têm nenhuma inclinação especial. Ou simplesmente há quem nasça
perfeitamente adaptado ao ritmo a que o mundo corre e voa directamente para as
informáticas e as mecânicas e etc. E eu, na minha visão tradicional, a julgar
que devia desenvolver algo que saísse de mim e não dependesse de factores
externos. Isto é; que não precisasse de um computador ou de um carro para saber fazer alguma coisa visível. Então
dei por mim a pedir canetas de feltro avulso à minha avó, e a riscar o chão da
cozinha. Era muito presa à história do Capuchinho Vermelho (a minha favorita) e
à da Branca de Neve, aonde entrava uma bruxa medonha. Era fascinada pela
maldade que emanava dessa personagem, porque o lobo era animal e eu compreendia,
mas os motivos dela eram tão
obscuros.... Recriei várias versões destes contos e interessava-me por mudar os
finais das histórias. Achava que as coisas tinham que ter uma certa lógica e
não necessariamente a que lhes fora associada. Desde aí - primeiros desenhos,
primeiras letras - que gosto de manipular enredos, realidades, coisas
estabelecidas. Reescrevê-las expia-me as frustrações da vida. Não tenho
necessidade de tocar no mundo ao meu redor para lados menos saudáveis - basta-me
descarregá-lo no papel.
O que a escrita
significa na sua vida?
Significa mais do que poderia
explicar. Resumidamente, significa uma terapia, um conforto, uma certeza de que
as coisas podem ter sentido, mesmo que atribuído por mim. Ou podem não fazer
sentido, mas ainda assim ajudam a descarregar os episódios menos felizes do
dia-a-dia. Muitas vezes dou por mim a sorrir sozinha quando me sinto mais
cansada, mais em baixo, porque sei que há uma coisa na vida que me é garantida,
que não me deixa ficar mal, que me dá um abraço instantâneo, e que é pôr no
papel/PC aquilo que sinto. É um amigo que não vai a lado nenhum e com quem
posso contar sempre. Muitas vezes nem chego a reler o que escrevo, mas depois
há também as vezes em que releio. E aprecio desmedidamente essa minha
capacidade de me entreter, às vezes distraio-me no conteúdo de um
documento/romance que não leio há muito tempo, surpreendo-me a mim mesma, desprendo-me
do meu presente e volto lá atrás, rio e choro com as minhas próprias
reviravoltas. E isso não tem correspondente em mais nada na minha vida. Nem um
chocolate faz um trabalho tão bem feito a animar-me!
Aos 12 anos leu o
seu primeiro romance. Lembra-se qual foi?
Perfeitamente: era Natal, estendi-me no sofá e li com as
luzinhas da árvore ligadas. Chamava-se "A Dádiva" da Danielle Steel.
Em 2011 publicou o
seu livro “Demência”. Quando e como o começou a escrever?
Comecei a escrevê-lo em 2009, já
sobre o título "Demência". De início (bem antes de 2009) tinha algo
muito diferente em mente, muito mais "romanceado". Era sobre uma
professora loirinha com um bebé chamada Lavínia, cujo marido já tinha morrido e
em circunstâncias suspeitas. Mas depois dei-me conta de que isso seria um
romance tipo Nicholas Sparks, já antevia a cena em que ela confessasse ao rapaz
jeitoso o que tivera de fazer para se livrar do marido violento, já ouvia os
suspiros de pena dele. Toda a gente a compreendia e apoiava. O rapaz
"jeitoso" era novo na aldeia e enamorava-se de caras dela. Depois
amadureci, dei-me conta de que a vida é bem mais complicada. Uma aldeia pequena
não compreenderia nem apoaria coisa alguma do género. O rapaz
não era novo na aldeia, estava lá bem enraizado e compartilhava do sentimento
geral que a ostracizava. E surgiu a
Olímpia, surgiu o outro lado da moeda e o Alzheimer, do qual também quis tanto
falar... E assim estavam os ingredientes reunidos para o Demência, cujo
percurso escrito veio de 2009 até Julho de 2011.
Tem alguns livros
inacabados? Tenciona terminá-los?
Tenho tantos livros inacabados! O que tenho feito ultimamente é pegar em
romances de complexidade 1, de dois mil e
lá vai fumaça, como diz o Chico Buarque, e fundir dois, ou até três, num de
complexidade superior. Tenho muito carinho por alguns deles e por alguns dos
seus protagonistas. Há um sobre uma separação atribulada de 2006, outro sobre
um amor de primos de 2009, outro sobre uma aldeiazinha no Algarve de 2008,
outro sobre duas irmãs gémeas de algures em 2009 também, outro sobre quatro
amigas de (creio) 2010. Depois havia "A Portuguesa", de 2007, que é
agora o volume III duma trilogia em que estou a trabalhar sobre a História e o
vinho portugueses. Há um planeado e esquematizado sobre o terramoto de 1755 e
outro na recta final sobre as Invasões Francesas. Há outros de qualidade muito inferior terminados, versões de
brincadeira de romances e enredos que me interessaram, alguns com conotações
mais escuras e surrealistas em que, um dia, talvez volte a pegar.
Irá publicar dia 20
de Outubro o seu segundo livro, intitulado “Funeral da nossa Mãe”. O que nos
pode dizer sobre ele?
Este novo romance - cujo título
já tem dado que falar - foi escrito de raiz de 18 de Julho de 2011 até Abril de
2012. Podem contar com três irmãs - Luísa, Cecília e Inês - e com os seus
problemas existências. Umas mais do que outras, claro, visto que têm modos
diferentes de encarar a vida e dificilmente admitem que haja algo errado. É
sobre o passado dos seus pais, cujo casamento sempre pareceu meio teatral. No
momento da morte da sua mãe levanta-se um pouco do véu sobre o que a levou até
aí, e as três irmãs passam a ouvir, nas entrelinhas dos preparativos para o
funeral, as peripécias a que a mãe se submeteu para prender o marido - grande
amor da sua vida. Acho que é um romance muito humano e muito terno, sobre
errar, pesar culpas, consciencialismos, perspectivas de vida. Não é exactamente
deprimente, como o título pode sugerir. Eu rio-me bastante ao relê-lo, mas
também me enterneço quando elas dobram um bocadinho e se vão mostrando às
irmãs. É que elas têm estado separadas... um pouco também por culpa dos pais.
“Afirma que as
histórias que conta não são a história de ninguém, mas que serão certamente a
história de alguém”. O que a inspira a escrever as historias que escreve?
Os passados das pessoas ao meu
redor, tantas vezes inimagináveis. A essência da cultura portuguesa e do
português. A essência do ser humano. A realidade, mesmo as mais escondidas a
que vou tendo acesso. A necessidade de denunciar certos eventos. E a necessidade
absoluta - quase vital - de criar mundos e alguém que neles caminhe.
Para além do
lançamento do “Funeral da nossa mãe”, tem mais algum projecto literário em
mãos? O que nos pode contar sobre ele?
Gostaria que, a seguir ao Funeral
da Nossa Mãe, saísse o "1809". Eu sou loucamente apaixonada por este
romance que estou a acabar agora, talvez também porque me exigiu mais trabalho
do que provavelmente todos os outros juntos. E porque a massa de moldar foi a
História do nosso país e da Europa, pelas quais sou igual e irremediavelmente
apaixonada. Toda a pesquisa desenvolvida, a colaboração que encontrei, as
descobertas que fiz, o aprofundar de uma época tão marcante e que tanto
contribuiu para a realidade actual do país fascinou-me. Estou constantemente a sorver
as páginas já escritas deste romance. Espero que vos chegue às mãos... Há ainda
o tal romance intitulado "Os Pássaros", que depois de revisto espero
que também seja publicado. E, claro, algo que criarei a respeito da Irlanda...,
quem sabe se algo ligado à fantasia, como uma estreia.
Para terminar,
deixe uma mensagem aos nossos leitores.
O que tenho para dizer aos
leitores resume-se a um OBRIGADA (em caps) imenso, estou profundamente grata a
todos aqueles que investem tempo e dinheiro a ler-me e que ainda se dão ao
trabalho de fazer reviews e de
comentar o meu trabalho, o que me deixa literalmente nas nuvens... Nunca
esperei encontrar leitores tão ávidos, tão interessados, pessoas que, tal como
eu, dedicam uma boa parte da sua vida à magia dos livros... Por favor,
continuem por cá e atentos às minhas obras, que espero que consigam
abstrair-vos desta história de crise e de ministros e de fraudes e de segurança
social e etc... Sejamos felizes noutra dimensão!
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